Tema 2: A Igreja, Povo de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito
Dom Henrique Soares da Costa, Bispo de Palmares (PE).
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a) A Igreja enraizada no Deus uno e trino
Já vimos que a Igreja sempre esteve no plano de Deus; vimos também
que ela começou a existir na Páscoa do Senhor Jesus: ela vive do
Espírito Santo que o Cristo, enviado do Pai derramou sobre ela. A
Igreja vive, portanto, na Trindade Santa. Ela não é uma simples
reunião nascida da vontade humana nem da boa vontade de seus
membros: a Santa Trindade é a vida da Igreja:
Há diversidade de dons mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades mas um mesmo é Deus que realiza todas as coisas em todos (1Cor 12,4ss).
Há um só Corpo e um só Espírito, assim como fostes chamados por vossa vocação para uma só esperança. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, por todos e em todos (Ef 4,4ss).
Cada
divina Pessoa da Santa Trindade tem uma relação própria com a
Igreja, dando-lhe a mesma vida divina que salva de um modo peculiar
a cada Pessoa da Trindade: o Pai (um só Deus) é a fonte de toda a
Vida; o Filho (um só Senhor) é o mediador desta Vida; o Espírito é a
própria Vida! Esta realidade impressionante aparece de modo muito
claro e profundo na idéia da Igreja como Povo de Deus Pai, Corpo de
Cristo e Templo do Espírito Santo.
b) A Igreja, Povo de Deus Pai
Já vimos que no Antigo Testamento Israel é o povo de Deus, o povo eleito, consagrado e escolhido:
Agora,
se realmente ouvirdes minha voz e guardardes a minha aliança,
sereis minha propriedade exclusiva dentre todos os povos. De fato é
minha toda a terra, mas vós sereis para mim um reino de sacerdotes
e uma nação santa. São estas as palavras que deverás dizer aos
israelitas” (Dt 19,5s).
Este povo era a qahal IHWH (= assembléia do Senhor Deus), a santa assembléia do Deus de Israel. Daí veio o nome ekklesía (=
Igreja). Pois bem, a Igreja é o povo de Deus da nova aliança, é o
novo povo de Deus, reunido pela palavra do Pai, dita em Jesus
Cristo:
Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho (Mc 1,15).
O
próprio Jesus tinha isso em mente quando escolheu Doze para
segui-lo: eles são os alicerces do novo povo, como os doze filhos
de Jacó (= Israel) foram os alicerces do antigo povo:
Depois
subiu ao monte e chamou os que ele quis. E foram ter com ele. E
constitui Doze para ficarem em sua companhia e para enviá-los a
pregar, com o poder de expulsar os demônios (Mc 3,13ss).
A
Igreja é, portanto, o novo povo que Cristo veio reunir para Deus,
seu Pai. É interessante como a Igreja assume essa identidade de
Israel da nova aliança:
A todos os que pautam sua conduta por esta norma, paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus (Gl 6,16).
Mas
vós sois uma raça eleita,um sacerdócio régio,uma nação santa, o
povo de sua particular propriedade, para apregoar os grandes feitos
daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável. Vós,
que outrora não éreis povo, agora sois o povo de Deus; vós, que não
havíeis alcançado misericórdia, mas agora conseguistes
misericórdia (1Pd 2,9s).
Assim,
a Igreja, novo Israel, é povo de Deus Pai, o povo definitivo, da
nova aliança, reunido em nome de Jesus Cristo. Este povo não é mais
ligado pelos vínculos de sangue, mas pela fé em Jesus Cristo, que
conduz ao batismo e à eucaristia:
Todos
vós, pois, sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Pois todos
vós, que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Já
não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem
mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus. Ora, se sois de
Cristo, então sois verdadeiramente a descendência de Abraão,
herdeiros segundo a promessa (Gl 3,26ss).
Ora, afirmar que a Igreja é povo de Deus tem algumas conseqüências importantes:
(i) Deus só tem um povo, uma Igreja, que é sinal da unidade de toda a humanidade em Cristo (cf. Jo 11,51s):
(Cristo) nos lavou de nosso pecados com seu sangue, e fez de nós um Reino e sacerdotes para Deus seu Pai (Ap 1,5s).
(ii)
Neste povo entramos pelo batismo, sacramento da fé em Jesus.
Assim, nos tornamos membros do povo da aliança; povo de irmãos,
povo de iguais na dignidade de filhos de Deus:
Vós,
não vos deixeis chamar de mestre, porque um só é vosso mestre, e
todos vós sois irmãos. A ninguém chameis de pai na terra, porque um
só é vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem vos façais chamar
doutores, porque um só é vosso doutor, o Cristo. O maior entre vós
seja vosso servo. Aquele que se exaltar será humilhado e quem se
humilhar será exaltado (Mt 23,8ss).
(iii)
Como o povo de Israel, somos um povo escolhido em Jesus: povo de
sacerdotes, de profetas e de reis (= servidores):
Mas
vós sois uma raça eleita,um sacerdócio régio, uma nação santa, o
povo de sua particular propriedade, para apregoar os grandes feitos
daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável (1Pd
2,9).
Eu
vos exorto, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, que vos
ofereçais em vossos corpos, como hóstia viva, santa, agradável a
Deus. Este é o vosso culto espiritual (Rm 12,1).
(iv)
Este povo, como o Israel do Antigo Testamento, é um povo a
caminho, um povo de peregrinos rumo à Pátria do céu. Sendo assim, a
Igreja não será nunca plena neste mundo: somente na glória ela
chegará a ser plenamente aquilo que deve ser. Até lá, ela precisará
sempre de conversão, de renovação e de reforma:
Portai-vos com temor durante o tempo do vosso exílio (1Pd 1,17; cf. 1,1).
Eu
vos exorto, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, que vos
ofereçais em vossos corpos, como hóstia viva, santa, agradável a
Deus. Este é o vosso culto espiritual (Ap 21,1; cf. 2 – 3).
(v)
Como povo de Deus, a Igreja deverá sempre viver no mundo,
empenhada na transformação do mundo e, ao mesmo tempo, manter viva a
consciência de não ser do mundo:
Caríssimos,
peço-vos que, como forasteiros e peregrinos, vos abstenhais dos
desejos da carne que combatem contra a alma. Observai entre os
pagãos uma conduta exemplar. Assim, naquilo mesmo em que vos
caluniam como malfeitores, considerando vossas boas obras,
glorifiquem a Deus no dia da Visitação.
Por
amor do Senhor submetei-vos a toda autoridade humana, quer ao
imperador, como soberano, quer aos governadores, como delegados,
para castigo dos malfeitores e elogio dos bons. Tal é a vontade de
Deus que pela prática do bem façais emudecer a ignorância dos
insensatos. Como homens livres e não à maneira dos que tomam a
liberdade como véu para cobrir a malícia, mas vivendo como escravos de
Deus. Honrai a todos, amai os irmãos, temei a Deus, respeitai o
imperador.
Manifestou-se
com efeito a graça de Deus, fonte de salvação para todos os
homens. Veio para nos ensinar a renúncia à impiedade e aos desejos
mundanos, para vivermos sóbria, justa e piedosamente neste século,
aguardando nossa esperança feliz e a vinda gloriosa do grande Deus e
do Salvador nosso, Jesus Cristo. Ele, que se entregou por nós a
fim de nos resgatar de toda iniqüidade e adquirir para si um povo
exclusivamente seu e zeloso na prática do bem. 15 Assim é que deves
falar e exortar e repreender com toda a autoridade. E ninguém te
despreze!
Admoesta
a todos que vivam submissos aos príncipes e às autoridades, que
lhes obedeçam e estejam prontos para qualquer boa obra. Não
injuriem a ninguém, sejam pacíficos, afáveis e dêem provas de
mansidão para com todos os homens.
Porque
também nós outrora éramos insensatos, rebeldes, extraviados,
escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo na maldade e
na inveja, dignos de ódio e odiando uns aos outros. Mas um dia
apareceu a bondade de Deus, nosso Salvador, e seu amor para com os
homens. E não por causa das obras de justiça que tivéssemos
praticado, mas unicamente em virtude de sua misericórdia, ele nos salvou
mediante o batismo de regeneração e renovação do Espírito Santo,
que abundantemente derramou sobre nós por Jesus Cristo, nosso
Salvador, a fim de que a justificação de sua graça nos torne,
segundo a esperança, herdeiros da vida eterna (Tt 2,11 – 3,7).
Porque,
ainda que alguns sejam chamados deuses, quer no céu, quer na
terra, de maneira que haja muitos deuses e muitos senhores, para
nós não há mais do que um só Deus Pai, de quem tudo procede e para
quem nós existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem existem
todas as coisas e nós também (1Cor 8,5s).
(vi)
Povo de Deus peregrino, como o Israel do deserto, só que agora
guiado pelo Espírito, a Igreja deve viver em contínua tensão
escatológica – isto é, consciente que caminha para a Glória e
desejosa dessa mesma Glória; por isso mesmo, envolvendo-se com tudo
quanto no mundo é justo e bom, ela, no entanto, não se encanta com
nada nem absolutiza realidade alguma deste mundo nem ideologia
nenhuma:
Quando orardes, dizei: “Pai, santificado seja o teu Nome; venha o teu Reino!” (Lc 11,2)
O
Espírito e a Esposa dizem: “Vem!” Aquele que atesta estas coisas
diz: ”Sim, venho muito em breve!” Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap
22,17.20)
Procedei
com sabedoria no trato com os de fora, sabei aproveitar o tempo
presente. A vossa palavra seja sempre agradável, temperada de sal,
para saberdes como convém responder a cada um (Cl 4,5s).
Concluindo, é importantíssimo que tenhamos a
consciência que somos um povo nascido da aliança que Deus selou com
a humanidade em Jesus Cristo. Não somos povo segundo a raça, a
cultura, a classe social, a opção política ou a situação econômica:
somos o povo que Deus reuniu em Cristo na unidade do Espírito,
conforme a promessa a Abraão, nosso pai! Vinda do Pai, é para o Pai
que a Igreja caminha e somente nele encontrará repouso:
Ele
nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por meio de Jesus
Cristo, conforme o beneplácito de sua vontade, para o louvor e
glória de sua graça! (Ef 1,5s)
c) A Igreja, corpo de Cristo
Vimos que a Igreja é povo de Deus: povo de Deus da nova aliança.
Mas, como podemos ser povo de Deus, se não somos descendência de
Abraão? A promessa fora feita a Abraão e a seus descendentes. É
aqui que adquire toda sua importância e sentido a imagem do corpo
de Cristo: a Igreja á povo de Deus precisamente porque é corpo de
Cristo. Vejamos:
Ora,
as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz:
“e a seus descendentes”, como se fossem muitos, mas fala de um só: e
a teu descendente que é Cristo (Gl 3,16).
São
Paulo afirma que a descendência de Abraão por excelência é Cristo,
ele, que sintetiza e traz em si todo o povo de Israel. Pois bem,
pelo batismo, tendo recebido o Espírito do Cristo, nós todos nos
tornamos membros seus, membros do seu corpo, que é a Igreja:
Com
ele fomos sepultados pelo batismo na morte para que, assim como
Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós
vivamos uma vida nova. Pois, se nos tornamos uma só coisa com ele
por sua morte, também seremos uma só coisa com ele por uma
ressurreição semelhante à sua (Rm 6,4s).
Pois
num só Espírito todos nós fomos batizados para sermos um só corpo e
todos, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres,
bebemos do mesmo Espírito (1Cor 12,13).
Sendo
uma só coisa com Cristo, membros seus, somos, em Cristo,
descendência de Abraão segundo o Espírito de Cristo! Trata-se de
uma união misteriosa e real com o Senhor Jesus ressuscitado!
A Igreja é, portanto, o corpo de Cristo e dele recebe vida, harmonia, crescimento e direção:
(Ele
é) a Cabeça, pela qual todo o Corpo, alimentado e coeso pelas
juntas e ligamentos, realiza o seu crescimento em Deus (Cl 2,19).
Esta
idéia é belíssima e profunda: a Igreja está constantemente unida a
Cristo, recebe a vida de Cristo, depende de Cristo, é
continuamente sustentada por Cristo. Uma idéia similar é encontrada
nas palavras de Jesus na alegoria da videira e dos ramos (cf. Jo
15,1-11). Como os ramos não sobreviveriam sem a seiva do tronco e a
ele unidos, assim também a Igreja, não poderia sobreviver senão
unida a Cristo e sendo continuamente vivificada pelo seu Espírito
Santo:
Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados (Ef 4,4).
Esta,
então, é a grande realidade de nossa união com Cristo: somos seu
corpo e membros uns dos outros: todo o Antigo Testamento caminhava
para este mistério tão grandioso:
Portanto,
ninguém vos julgue por questões de comida e de bebida, ou a
respeito de festas anuais ou de lua nova ou de sábados, que são
apenas sombra de coisas que haviam de vir, mas a realidade é o
corpo de Cristo. Ninguém, com afetada humildade ou com o culto dos
anjos, vos prive do prêmio, fazendo alarde do que viu, inchado de um vão
orgulho por seu pensamento carnal, ignorando a Cabeça, pela qual
todo o Corpo, alimentado e coeso pelas juntas e ligamentos, realiza
seu crescimento em Deus (Cl 2,16-19).
Esta realidade de ser corpo de Cristo chega ao máximo na eucaristia:
Quem
come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o
ressuscitarei no último dia. Porque minha carne é verdadeiramente
comida e meu sangue é verdadeiramente bebida. Quem come minha carne
e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele. Assim como o Pai,
que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim também quem comer de
minha carne viverá por mim (Jo 6,54-57).
O
cálice de bênção que abençoamos não é ele a comunhão com o sangue
de Cristo? E o pão que partimos não é ele a comunhão com o corpo de
Cristo? Já que há um único pão, nós embora muitos, somos um só
corpo, pois todos participamos desse único pão (1Cor 10,16s).
A
ponto de São Paulo afirmar que quem come o Corpo de Cristo na
eucaristia sem discernir o corpo do Senhor, que é a Igreja, come e
bebe a própria condenação:
Por
conseguinte, que cada um se examine a si mesmo antes de comer
desse pão e bebe desse cálice, pois aquele que come e bebe sem
discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação (1Cor 11, 28).
Afirmar que a Igreja é corpo de Cristo, leva-nos a algumas conseqüências muito importantes:
(i)
A imagem do corpo ressalta a unidade da Igreja; unidade que é
fruto da presença do Espírito do Ressuscitado. Se os membros são
muitos, no entanto o corpo é um só! Cristo só tem um corpo, como
também reuniu um só povo. Este povo, este corpo é a Igreja! Veremos
isso de modo mais detalhado quando pensarmos na unidade e
unicidade da Igreja de Cristo, mais adiante.
Ele
é a nossa paz: de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro
de separação... a fim de criar em si mesmo um só Homem Novo,
estabelecendo a paz e de reconciliar a ambos com Deus em um só
Corpo (Ef 2,14s).
Fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo (1Cor 12,13).
(ii)
Se a Igreja é corpo de Cristo, esse corpo é formado por membros
diversos, com diversos carismas e ministérios, todos eles
suscitados pelo Espírito do Ressuscitado. Na Igreja ninguém é
expectador, ninguém fica de fora: leigo (laikós) quer dizer: o que está por dentro (= laós: povo de Deus + ikós: o que pertence a = leigo: o que pertence ao povo de Deus).
Há
diversidade de dons mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de
ministérios mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades mas
um mesmo é Deus que realiza todas as coisas em todos. A cada um é
dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum. Porque,
assim como o corpo, sendo um só, tem muitos membros e todos os
membros do corpo, sendo muitos, são um só corpo, assim também é Cristo
(1Cor 12,4-7.12).
(iii)
A imagem do corpo recorda-nos também com clareza que a Igreja
depende totalmente do Cristo, e isso de modo constante. É Cristo
quem vivifica a sua Igreja e a sustenta, sobretudo pelos
sacramentos – a idéia da carne de Cristo que dá vida e da videira e
dos ramos são ilustração dessa realidade:
É
ele que a uns fez apóstolos, a outros profetas, a estes
evangelistas, àqueles pastores e doutores, para o aperfeiçoamento
dos santos, para a obra do ministério, na edificação do Corpo de
Cristo, até que todos nós cheguemos à unidade da fé e do
conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o estado de Homem
Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo. Assim, não
sejamos mais como crianças ao sabor das ondas, agitados por
qualquer sopro de doutrina, ao capricho da maldade dos homens e de
seus artifícios enganosos. Mas, vivendo segundo a verdade e na
caridade, cresceremos em tudo, achegando-nos àquele que é nossa
Cabeça, Cristo. Em virtude de sua vida, o Corpo, todo coordenado e
unido por cada vínculo de ministério que corresponde à força própria de
cada membro, cresce e se edifica na caridade (Ef 4,11-16).
(iv)
Ligada à imagem do corpo, há também a idéia da Igreja como esposa,
amada por Cristo, única eleita. A idéia de esposa ajuda a corrigir
a idéia do corpo:
E
vós, maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e
se entregou por ela, a fim de purificá-la com o banho da água e
santificá-la pela Palavra... Quem ama a sua mulher ama-se a si
mesmo, pois ninguém jamais quis à sua própria carne, antes
alimenta-a e dela cuida, como também faz Cristo com a Igreja (Ef
5,25s.28b-29).
Se,
por um lado, a Igreja é uma só coisa com Cristo, como seu corpo,
por outro, é distinta de Cristo, como sua esposa: Cristo é criador;
a Igreja é criatura. Entre o Cristo e sua Igreja a distância é
infinita (por isso São Paulo usa também as idéias machistas da
sociedade patriarcal da época para exprimir a relação entre a
Igreja-esoposa e o Cristo-esposo).
(v)
A imagem do corpo, finalmente, deixa claro que a Igreja é central
no plano de Deus: ela é o espaço da nossa salvação; é nela que o
Espírito do Cristo age, unindo-nos ao nosso Salvador. É impossível,
absolutamente, um Cristo sem Igreja. Mais ainda: a plenitude do
Cristo, como cabeça do corpo, somente vai acontecer na plenitude da
Igreja, no final dos tempos. É um mistério impressionante: a
plenitude do Filho de Deus feito homem está ligada indissoluvelmente à
plenitude do corpo, que é a Igreja:
Tudo
ele (o Pai) pôs debaixo de seus pés, e o pôs acima de tudo, como
Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo: a plenitude daquele que
plenifica tudo em tudo (Ef 1,22).
Esta união íntima e misteriosa é também entre cada membro e todo o corpo, que é a Igreja:
Agora
eu me regozijo nos meus sofrimentos por vós, e completo na minha
carne, o que falta das tribulações do Cristo pelo seu Corpo, que é a
Igreja (Cl 1,24).
c)A Igreja, templo do Espírito
Demos, agora, mais um passo: precisamente porque a Igreja é corpo
de Cristo, ela é também templo do Espírito:
Estava
próxima a Páscoa dos judeus. Jesus subiu a Jerusalém e encontrou
no Templo vendedores de bois, de ovelhas e pombas e os cambistas
sentados. Fez um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, com
as ovelhas e os bois; esparramou no chão o dinheiro dos cambistas e
derrubou as mesas. Aos que vendiam as pombas, disse: “Tirai daqui
tudo isso e não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”.
Lembraram-se os discípulos de que está escrito: O zelo de tua casa
me consome.
Os judeus tomaram a palavra e lhe perguntaram: “Que sinal nos dás para fazeres isto?”
Jesus
respondeu: “Destruí este Templo e em três dias eu o levantarei”.
Então os judeus disseram: “Quarenta e seis anos levou a construção
deste Templo e tu vais levantá-lo em três dias?” Mas ele falava do
Templo de seu corpo. Quando ressuscitou dos mortos, os discípulos
se lembraram do que ele havia dito e creram na Escritura e na
palavra de Jesus (Jo 2,13-22).
Com
a sua páscoa, Jesus pleno do Espírito Santo, foi totalmente
transfigurado no seu corpo, que agora, ressuscitado, é templo do
Espírito, é o novo lugar de encontro entre Deus e a humanidade. O
Templo dos judeus, portanto, era somente imagem e prefiguração do
corpo do Ressuscitado, verdadeiro templo de Deus:
Ora,
quando os sacerdotes saíram do lugar santo, a Nuvem encheu o
templo do Senhor, modo que os sacerdotes não puderam continuar as
funções por causa da Nuvem; é que a glória do Senhor tinha enchido o
templo do Senhor.
Salomão
disse: “O Senhor quis morar na Nuvem escura. Eu construí para ti
uma morada, uma mansão para tua perpétua habitação” (1Rs 8,10-13).
Na Escritura, a Nuvem, a Glória, a Shekinah,
são símbolos do Espírito Santo! Portanto, o templo tomado pela
Nuvem é profecia do corpo de Cristo, plenificado e habitado pelo
Espírito! Ora, este templo de Deus, corpo de Cristo, pleno do
Espírito Santo, é a Igreja:
Assim
já não sois estrangeiros e hóspedes mas concidadãos dos santos e
membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e profetas, tendo por pedra principal o próprio Cristo
Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se une e
cresce até formar um templo santo no Senhor; nele vós também sois
integrados na construção para vos tornardes morada de Deus no
Espírito (Ef 2,19-22).
Vós
sois o edifício de Deus. Não sabeis que sois um templo de Deus e
que o Espírito de Deus habita em vós? O templo de Deus é santo e
esse templo sois vós (1Cor 3,9.16s).
Em
Cristo, bem articulado, todo o edifício se ergue em santuário
sagrado, no Senhor, e vós, também, nele sois co-edificados para
serdes uma habitação de Deus, no Espírito (Ef 2,21s).
Também
vós, como pedras vivas, constituí-vos em um edifício espiritual (=
no Espírito), dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de
oferecerdes sacrifícios espirituais (= no Espírito) aceitáveis a
Deus por Jesus Cristo (1Pd 2,5).
Santo Agostinho compreendeu bem o significado desses textos bíblicos:
Aquilo
que o nosso espírito, ou seja, a nossa alma, é para os nossos
membros, o mesmo é o Espírito Santo para os membros de Cristo, para
o corpo de Cristo, que é a Igreja.
Dizer que a Igreja é templo do Espírito, significa:
(i)
que a Igreja é permanentemente habitada e possuída pelo Santo
Espírito; que a edifica continuamente, fazendo-nos pedras vivas;
(ii)
que a Igreja é santa, porque totalmente habitada pelo Espírito de
Santidade, de modo a ser coluna e fundamento da verdade (cf. 1Tm
3,15).
(iii) que o Espírito a edifica como templo que é ao mesmo tempo corpo de Cristo para a glória do Pai!
d) Conclusão
A Igreja, então, é realmente povo de Deus, pois foi tornada corpo
de Cristo pelo Espírito Santo recebido no batismo. Este mesmo
Espírito é o que glorificou o corpo de Jesus ressuscitado,
tornando-o seu templo santo. Assim, porque corpo de Cristo, a
comunidade eclesial é realmente templo do Santo Espírito, é comunhão do
Espírito Santo e no Espírito Santo!
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